São Justino, o Mártir
Estudos da Patrística. Vol. III
Vida
Justino nasceu muito provavelmente por volta do ano 100 d.C. e converteu-se ao cristianismo no ano 132. Não era de origem judaica, a julgar pelo seu nome e pelo de seu pai e avô (Prisco e Báquio, respectivamente) e pela sua falta de conhecimento do hebraico, apesar de ser natural de Samaria, mais especificamente em Flávia Neápolis, fundada no ano 72 por Vespasiano, sobre a antiga Siquém, sítio geográfico muito importante para os judeus. Foi em Siquém onde Deus apareceu a Abraão, onde Josué reuniu a grande assembleia para ratificar a aliança entre Deus e o seu povo e é lá onde se conserva a memória do poço de Jacó, local onde Jesus conversou com a samaritana.
O motivo de sua conversão ao cristianismo foi duplo: o desencanto pelas “filosofias da moda” em sua busca pela verdade e a inspiração causada pelos corajosos mártires cristãos de seu tempo.
Sua formação intelectual foi bastante aprimorada. Segundo seu próprio relato, percorreu diversas cidades em busca de conhecer a verdade e tornar-se sábio e passou por diversas escolas filosóficas, como a dos estoicos, dos peripatéticos, dos pitagóricos e a dos platônicos. Entretanto, foi apenas no cristianismo que ele obteve conhecimento da “única filosofia digna e certa”, através do auxílio de um sábio ancião cristão.
Neste sentido, sua história assemelha-se àquela do posterior Agostinho, bispo de Hipona, que também percorreu diversas correntes filosóficas a procura da verdade e só a encontrou no cristianismo, também pelo auxílio de um sábio ancião, a saber, Ambrósio, bispo de Milão.
Foi em Roma o local em que Justino exerceu a maior parte de suas atividades. Ali abriu e dirigiu uma escola filosófica e escreveu suas obras, e ali foi o lugar em que sofreu o seu martírio, decapitado, segundo a tradição, no ano 165, junto a mais seis companheiros.
Obras
Justino é provavelmente o melhor autor apologista do século II. Sua leitura é agradável e engrandecedora, bem como Justino apresenta um grande conhecimento sobre as correntes filosóficas de seu tempo. Ele se demonstra um autor muito diferente de muitos seus predecessores apologistas, que conservavam em seus escritos grande dose de escárnio e “malícia” contra seus adversários pagãos e judeus. Justino, por outro lado, é hábil com as palavras e demonstra grande honestidade.
As obras que chegaram até nós foram duas. Uma delas são suas Apologias, divididas em duas, dirigidas ao imperador Antonino Pio em favor de nossa fé, que balanceiam muito bem uma questão que futuramente será mais desenvolvida principalmente pela escola de Alexandria: o equilíbrio entre a fé e a razão. A data de suas composições, a julgar pela período de reinado do destinatário, parece ser por volta do ano 155. A outra obra que chegou até nós foi o Diálogo com Trifão, um judeu, na qual Justino faz apologia pela fé cristã contra o judaísmo. A data de composição desta última parece ser a mesma da primeira.
Uma coisa que se mostra abundante nas Apologias é uma atitude racional e corajosa de identificar entre as doutrinas e filosofias dos pagãos pequenas sementes do Verbo. Justino é capaz de admitir que os grandes filósofos pagãos como Platão e Sócrates conseguiram, de certa forma, captar pequenos fragmentos da verdade. No entanto, não deixa de admitir que apenas os cristãos possuem o Verbo total.
Outro aspecto muito presente nessas obras é a acusação fervorosa que Justino faz aos demônios. Ele imputa-os a culpa de serem responsáveis tanto pela perseguição e hostilidade com os cristãos em sua época como pela criação dos deuses e ídolos pagãos, que impediram a humanidade de chegarem na Verdade, deixando-a apenas com sementes do Verbo. Justino afirma que a morte de Sócrates foi causada por causa dos demônios, porque o homem chegou muito perto da Verdade.
Além disso tudo, talvez a coisa mais preciosa das Apologias são os parágrafos 65 e 66 da I Apologia, sobre a Liturgia. Os trechos dão fidelíssimo testemunho sobre a verdade da doutrina católica, já no secundo século de nossa era, da presença real do corpo e sangue de Cristo na Eucaristia, além de fornecerem alguns detalhes sobre e a realização da Liturgia dominical.
CONINUAÇÃO SOBRE O DIÁLOGO…
I Apologia — Trechos importantes:
A profissão da fé cristã
Que não somos ateus, quem estiver em são juízo o dirá, pois cultuamos o Criador deste universo,do qual dizemos, conforme nos ensinaram, que não tem necessidade de sangue, libações ou incenso. Em lugar de todas as ofertas, nós o louvamos conforme nossas forças, com palavras de oração e ação de graças. Aprendemos que o único louvor digno dele não é queimar no fogo o que por ele foi criado para nosso alimento, mas oferecê-lo para nós mesmos e para os necessitados. Depois, mostrando-nos a ele agradecidos, dirigir-lhe por nossa palavra louvores e hinos por ter-nos criado, por todos os meios de saúde, pela variedade das espécies e mudanças das estações, ao mesmo tempo que lhe suplicamos que nos conceda de novo a incorruptibilidade pela fé que nele temos. Em seguida, demonstramos que, com razão, honramos também Jesus Cristo, que foi nosso Mestre nessas coisas e para isso nasceu, o mesmo que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, procurador na Judeia no tempo de Tibério César. Aprendemos que ele é o Filho do próprio Deus verdadeiro, e o colocamos em segundo lugar, assim como o Espírito profético, que pomos no terceiro. De fato, tacham-nos de loucos, dizendo que damos o segundo lugar a um homem crucificado, depois do Deus imutável, aquele que existe desde sempre e criou o universo. É que ignoram o mistério que existe nisso e, por isso, vos exortamos que presteis atenção quando o expomos. (I Apologia 13)
Não sejais hipócritas
Aqueles, porém, que se vê que não vivem como ele ensinou, sejam declarados como não cristãos, por mais que repitam com a língua os ensinamentos de Cristo, pois ele disse que se salvariam não os que apenas falassem, mas que também praticassem as obras. De fato, ele disse: “Não todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus.’” (…) Aqueles que não vivem conforme os ensinamentos de Cristo e são cristãos apenas de nome, nós somos os primeiros a vos pedir [aos imperadores] que sejam castigados. (I Apologia 16; 8–14)
Do livre-arbítrio
Do que dissemos anteriormente, ninguém deve tirar a conclusão de que afirmamos que tudo o que acontece, acontece por necessidade do destino, pelo fato de que dizemos que os acontecimentos foram conhecidos de antemão. Por isso, resolveremos também essa dificuldade. Nós aprendemos dos profetas e afirmamos que esta é a verdade: os castigos e tormentos, assim como as boas recompensas, são dadas a cada um conforme as suas obras. Se não fosse assim, mas tudo acontecesse por destino, não haveria absolutamente livre-arbítrio. Com efeito, se já está determinado que um seja bom e outro mau, nem aquele merece elogio, nem este, vitupério. Se o gênero humano não tem poder de fugir, por livre determinação, do que é vergonhoso e escolher o belo, ele não é irresponsável de nenhuma ação que faça. Mas que o homem é virtuoso e peca por livre escolha, podemos demonstrar pelo seguinte argumento: vemos que o mesmo sujeito passa de um contrário a outro. Ora, se estivesse determinado ser mau ou bom, não seria capaz de coisas contrárias, nem mudaria com tanta frequência. Na realidade, nem se poderia dizer que uns são bons e outros maus, desde o momento que afirmamos que o destino é a causa de bons e maus, e que realiza coisas contrárias a si mesmo, ou que se deveria tomar como verdade o que já anteriormente insinuamos, isto é, que virtude e maldade são puras palavras, e que só por opinião se tem algo como bom ou mau. Isso, como demonstra a verdadeira razão, é o cúmulo da impiedade e da iniquidade. Afirmamos ser destino ineludível que aqueles que escolheram o bem terão digna recompensa e os que escolheram o contrário, terão igualmente digno castigo. Com efeito, Deus não fez o homem como as outras criaturas. Por exemplo: árvores ou quadrúpedes, que nada podem fazer por livre determinação. Nesse caso, não seria digno de recompensa e elogio, pois não teria escolhido o bem por si mesmo, mas nascido já bom; nem, por ter sido mau, seria castigado justamente, pois não o seria livremente, mas por não ter podido ser algo diferente do que foi. (I Apologia 43)
Platão depende de Moisés
De modo que o próprio Platão, ao dizer: “A culpa é de quem escolhe. Deus não tem culpa”, falou isso por tê-lo tomado do profeta Moisés, pois sabe-se que este é mais antigo do que todos os escritores gregos. Em geral, tudo o que os filósofos e poetas disseram sobre a imortalidade da alma e da contemplação das coisas celestes, aproveitaram-se dos profetas, não só para poder entender, mas também para expressar isso. Daí que parece haver em todos algo como germes de verdade. Todavia, demonstra-se que não o entenderam exatamente, pelo fato de que se contradizem uns aos outros. (I Apologia 44, 8–11)
Algumas instruções sobre os sacramentos:
O Batismo — Regeneração e iluminação
(…)
Todos os que se convencem e acreditam que são verdadeiras essas coisas que nós ensinamos e dizemos, e prometem que poderão viver de acordo com elas, são instruídos, em primeiro lugar, para que com jejum orem e peçam perdão a Deus por seus pecados anteriormente cometidos, e nós oramos e jejuamos juntamente com eles. Depois os conduzimos a um lugar onde haja água e pelo mesmo banho de regeneração, com que também nós fomos regenerados, eles são regenerados, pois então tomam na água o banho em nome de Deus, Pai soberano do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo e do Espírito Santo. É assim que Cristo disse: “Se não nascerdes de novo, não entrareis no Reino dos Céus”. É evidente para todos que, uma vez nascidos, não é possível entrar de novo no seio de nossas mães. Também o profeta Isaías, como citamos anteriormente, disse como fugiriam dos pecados aqueles que antes pecaram e agora se arrependem. Eis o que ele disse: “Lavai-vos, purificai-vos, tirai as maldades de vossas almas e aprendei a fazer o bem, julgai o órfão e fazei justiça à viúva; então vinde e conversemos, diz o Senhor. Se vossos pecados forem como a púrpura, eu os tornarei brancos como a lã; se forem como o escarlate, eu os alvejarei como a neve. Se não me escutardes, a espada vos devorará, porque assim falou a boca do Senhor”. A explicação que aprendemos dos apóstolos sobre isso é a seguinte: uma vez que não tivemos consciência de nosso primeiro nascimento, pois fomos gerados por necessidade de um germe úmido, através da união mútua de nossos pais, e nos criamos em costumes maus e em conduta perversa, agora, para que não continuemos sendo filhos da necessidade e da ignorância, mas da liberdade e do conhecimento e, ao mesmo tempo, alcancemos o perdão de nossos pecados anteriores, pronuncia-se na água, sobre aquele que decidiu regenerar-se e se arrepende de seus pecados, o nome de Deus, Pai e soberano do universo; e aquele que conduz ao banho pronuncia este único nome sobre aquele que vai ser lavado. Com efeito, ninguém é capaz de dar um nome ao Deus inefável; se alguém se atrevesse a dizer que esse nome existe, sofreria a mais vergonhosa loucura. Esse banho chama-se iluminação, para dar a entender que são iluminados os que aprendem estas coisas. O iluminado se lava também em nome de Jesus Cristo, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e no nome do Espírito Santo, que, por meio dos profetas, nos anunciou previamente tudo o que se refere a Jesus. (I Apologia 61, 2–13)
Liturgia e Eucaristia
Fraternidade
De nossa parte, depois que assim foi lavado aquele que creu e aderiu a nós, nós o levamos aos que se chamam irmãos, no lugar em que estão reunidos, a fim de elevar fervorosamente orações em comum por nós mesmos, por aquele que acaba de ser iluminado e por todos os outros espalhados pelo mundo inteiro, suplicando que nos conceda, já que conhecemos a verdade, ser encontrados por nossas obras como homens de boa conduta e observantes do que nos mandaram, e assim consigamos a salvação eterna. Terminadas as orações, nos damos mutuamente o ósculo da paz. Depois àquele que preside aos irmãos é oferecido pão e uma vasilha com água e vinho; pegando-os, ele louva e glorifica ao Pai do universo através do nome de seu Filho e do Espírito Santo, e pronuncia uma longa ação de graças, por ter-nos concedido esses dons que dele provêm. Quando o presidente termina as orações e a ação de graças, todo o povo presente aclama, dizendo: “Amém”. Amém, em hebraico, significa “assim seja”. Depois que o presidente deu ação de graças e todo o povo aclamou, os que entre nós se chamam ministros ou diáconos dão a cada um dos presentes parte do pão, do vinho e da água sobre os quais se pronunciou a ação de graças e os levam aos ausentes. (I Apologia 65)
Teologia eucarística
Este alimento se chama entre nós Eucaristia, da qual ninguém pode participar, a não ser que creia serem verdadeiros nossos ensinamentos e se lavou no banho que traz a remissão dos pecados e a regeneração e vive conforme o que Cristo nos ensinou. De fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que, por virtude da oração ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças — alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne — é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado. Foi isso que os Apóstolos nas memórias por eles escritas, que se chamam Evangelhos, nos transmitiram que assim foi mandado a eles, quando Jesus, tomando o pão e dando graças, disse: “Fazei isto em memória de mim, este é o meu corpo”. E igualmente, tomando o cálice e dando graças, disse: “Este é o meu sangue”, e só participou isso a eles. (I Apologia 66, 1–3)
Liturgia dominical
Depois dessa primeira iniciação, recordamos constantemente entre nós essas coisas e aqueles de nós que possuem alguma coisa socorrem todos os necessitados e sempre nos ajudamos mutuamente. Por tudo o que comemos, bendizemos sempre ao Criador de todas as coisas, por meio de seu Filho Jesus Cristo e do Espírito Santo. No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se lêem, enquanto o tempo o permite, as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas. Quando o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos esses belos exemplos. Em seguida, levantamo-nos todos juntos e elevamos nossas preces. Depois de terminadas, como já dissemos, oferece-se pão, vinho e água, e o presidente, conforme suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças e todo o povo exclama, dizendo: “Amém”. Vem depois a distribuição e participação feita a cada um dos alimentos consagrados pela ação de graças e seu envio aos ausentes pelos diáconos. Os que possuem alguma coisa e queiram, cada um conforme sua livre vontade, dá o que bem lhe parece, e o que foi recolhido se entrega ao presidente. Ele o distribui a órfãos e viúvas, aos que por necessidade ou outra causa estão necessitados, aos que estão nas prisões, aos forasteiros de passagem, numa palavra, ele se torna o provisor de todos os que se encontram em necessidade. Celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia seguinte ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas doutrinas que estamos expondo para vosso exame. (I Apologia 67)
II Apologia:
Sobre as sementes do Verbo
Sabemos que alguns que professaram a doutrina estoica foram odiados e mortos. Pelo menos na ética eles se mostram moderados, assim como os poetas em determinados pontos, por causa da semente do Verbo, que se encontra ingênita em todo o gênero humano. (…) Com efeito, como já anotamos, os demônios sempre se empenharam em tornar odiosos aqueles que, de algum modo, quiseram viver conforme o Verbo e fugir da maldade. Portanto, não é de se admirar se eles, desmascarados, procuram também tornar odiosos, e com mais empenho ainda, àqueles que vivem não apenas de acordo com uma parte do Verbo seminal, mas conforme o conhecimento e contemplação do Verbo total, que é Cristo. (…). [II Apologia 7(8), 1–3]
Apenas os cristãos possuem o Verbo inteiro
Portanto, a nossa religião mostra-se mais sublime do que todo o ensinamento humano, pela simples razão de que possuímos o Verbo inteiro, que é Cristo, manifestado por nós, tornando-se corpo, razão e alma. Com efeito, tudo o que os filósofos e legisladores disseram e encontraram de bom, foi elaborado por eles pela investigação e intuição, conforme a parte do Verbo que lhes coube. Todavia, como eles não conheceram o Verbo inteiro, que é Cristo, eles frequentemente se contradisseram uns aos outros. Aqueles que antes de Cristo tentaram investigar e demonstrar as coisas pela razão, conforme as forças humanas, foram levados aos tribunais como ímpios e amigos de novidades. Sócrates, que mais se empenhou nisso, foi acusado dos mesmos crimes que nós, pois diziam que ele introduzia novos demônios e que não reconhecia aqueles que a cidade considerava como deuses. O fato é que, expulsando da república Homero e outros poetas, ele ensinou os homens a rejeitar os maus demônios, que cometeram as abominações de que falam os poetas, e ao mesmo tempo os exortava ao conhecimento de Deus, para eles desconhecido, por meio de investigação racional, dizendo: “Não é fácil encontrar o Pai e artífice do universo, nem, quando o tivermos encontrado, é seguro dizê-lo a todos.” Foi justamente o que o nosso Cristo fez por sua própria virtude. Com efeito, ninguém acreditou em Sócrates, até que ele deu a sua vida por essa doutrina; em Cristo, porém, que em parte foi conhecido por Sócrates, — pois ele era e é o Verbo que está em tudo, e foi quem predisse o futuro através dos profetas e, feito de nossa natureza, por si mesmo nos ensinou essas coisas — em Cristo acreditaram não só filósofos e homens cultos, mas também artesãos e pessoas totalmente ignorantes, que souberam desprezar a opinião, o medo e a morte; porque ele é a virtude do Pai inefável e não um vaso de humana razão. (II Apologia 10)
Devemos nos confessar como cristãos
Confesso que todas as minhas orações e esforços tem por finalidade mostrar-me cristão, não porque as doutrinas de Platão sejam alheias a Cristo, mas porque elas não são totalmente semelhantes, como também as dos outros filósofos, os estoicos, por exemplo, poetas e historiadores. De fato, cada um falou bem, vendo o que tinha afinidade com ele, pela parte que lhe coube do Verbo seminal divino. Todavia, é evidente que aqueles que em pontos muito fundamentais se contradisseram uns aos outros, não alcançaram uma ciência infalível, nem um conhecimento irrefutável. Portanto, tudo o que de bom foi dito por eles, pertence a nós, cristãos, porque nós adoramos e amamos, depois de Deus, o Verbo, que procede do mesmo Deus ingênito e inefável. Ele, por amor a nós, se tornou homem para partilhar de nossos sofrimentos e curá-los. Todos os escritores só puderam obscuramente ver a realidade, graças à semente do Verbo neles ingênita. Com efeito, uma coisa é o germe e a imitação de algo, que é feita conforme a capacidade; e outra, aquele mesmo do qual se participa e imita, conforme a graça que também dele procede.