Anáfora de Santo Hipólito

João Guilherme Pianezzola
5 min readApr 21, 2021

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Apresentem-lhe [ao bispo] os diáconos a oblação e ele, impondo a mão sobre ela, dando graças com todo o presbyterium, diga:

O Senhor esteja convosco.

Respondam todos:

E com o teu espírito.

— Corações ao alto!

— Já os oferecemos ao Senhor.

— Demos graças ao Senhor.

— É digno e justo.

E prossiga, a seguir:

Graças te damos, Deus, pelo teu Filho querido, Jesus Cristo, que nos últimos tempos nos enviaste, Salvador e Redentor, mensageiro da tua vontade, que é o teu Verbo inseparável, por meio do qual fizeste todas as coisas e que, porque foi do teu agrado, enviaste do Céu ao seio de uma Virgem; que, aí encerrado, tomou um corpo e revelou-se teu Filho, nascido do Espírito Santo e da Virgem. Que, cumprindo a tua vontade — e obtendo para ti um povo santo — ergueu as mãos enquanto sofria para salvar do sofrimento os que confiaram em ti. Que, enquanto era entregue à voluntária Paixão para destruir a morte, fazer em pedaços as cadeias do demônio, esmagar os poderes do mal, iluminar os justos, estabelecer a Lei e dar a conhecer a Ressurreição, tomou o pão e deu graças a ti, dizendo: Tomai e comei, isto é o meu Corpo que por vós será destruído; tomou igualmente, o cálice, dizendo: Este é o meu Sangue, que por vós será derramado. Quando dizerdes isto, fá-lo-eis em minha memória.

Por isso, nós que nos lembramos de sua morte e ressurreição, oferecemos-te o pão e o cálice, dando-te graças porque nos consideraste dignos de estar diante de ti e de servir-te.

E te pedimos que envieis o teu Espírito Santo à Oblação da santa Igreja: reunindo em um só rebanho todos os fiéis que recebemos a Eucaristia na plenitude do Espírito Santo para o fortalecimento de nossa fé na Verdade, concede que te louvemos e glorifiquemos, pelo teu Filho Jesus Cristo, com o Espírito Santo na tua santa Igreja, agora e pelos séculos dos séculos. Amém.

Caso haja a bênção do azeite, queijo e azeitonas, assim prossegue o oficiante na sequência da consagração do pão e do vinho (suprimo daqui em diante as palavras de Hipólito quanto a instrução, e retenho somente as palavras litúrgicas, para não quebrar a sequência da Anáfora):

— Assim como, santificando este óleo, com o qual ungiste reis, sacerdotes e profetas, concedes, ó Deus, a santidade aos que são com ele ungidos e aos que o recebem, assim proporcione ele consolo aos que provam e saúde aos que dele se servem. Glória a ti — ao Pai e ao Filho, com o Espírito Santo na santa Igreja, agora e sempre pelos séculos dos séculos. Amém.

Abençoa este leite coagulado, soldando-nos à tua caridade. Glória a ti — ao Pai e ao Filho, etc.

Concede também que se não afaste da tua doçura este fruto da oliveira, que é um exemplo da abundância que derramaste da árvore, para a vida dos que esperam em ti. Glória a ti — ao Pai e ao Filho, etc.

Comentários

A Anáfora de Santo Hipólito é particularmente interessante e pertinente de se estudar. Interessante pela sua estrutura única, de simplicidade excepcional — ainda que bela e repleta de potentes símbolos, como a menção de Jesus Cristo como “anjo”, traduzida aqui como “mensageiro”. Há também, abundantes alusões ao Espírito Santo, visadas à união fraterna e eclesial, conquanto não haja nenhuma Epiclese explícita, isto é, a invocação do Espírito Santo para a transmutação dons eucarísticos. Esta ausência é algo que tornou-se uma particularidade do Rito Romano, e é curioso testemunhar essa ausência em uma data tão primitiva. Lança dúvidas sobre a questão de se a Epiclese, comum a todos os demais ritos, era algo comum do qual o Rito Romano decidiu livrar-se ou é uma inserção posterior, a qual este rito jamais adaptou-se propriamente na liturgia.

Também testemunhamos em sua austeridade a conexão imediata do Prefácio com a narrativa da Instituição, sem o canto do Sanctus entre um e outro, como estamos acostumados também no Rito Romano. Igualmente, o próprio Prefácio e narrativas são simples. Nesta, a cronologia é um tanto incomum, pois pela ausência da frase “de igual modo, ao fim da ceia…”, dá-se a entender que Nosso Senhor consagrou o pão e o cálice num mesmo momento. Por fim, o agradecimento pelos mistérios celebrados enquanto um serviço ao qual Deus tornou-nos dignos a participar e oferecer de volta a Ele também merece atenção pela sua beleza e significado.

Enfim, é pertinente estudar esta Anáfora, porque a Reforma Litúrgica do Concílio Vaticano II trouxe-a de volta, reformulada em uma síntese com o Cânon tradicional, na Oração Eucarística II. Muita coisa é, de fato, diferente, e a OEII não pode dizer-se “a” Anáfora de Santo Hipólito. Ela é certamente uma oração nova, porém ainda traz em sua essência daquilo que a Anáfora primitiva é constituída.

Abaixo, segue a Oração Eucarística II, com as semelhanças entre uma e outra em negrito. Suprimirei as respostas prescritas para o povo.

V/. Dóminus vobíscum.

R/. Et cum spíritu tuo.

V/. Sursum corda.

R/. Habémus ad Dóminum.

V/. Grátias agámus Dómino Deo nostro.

R/. Dignum et iustum est.

Vere dignum et iustum est, æquum et salutáre, nos tibi, sancte Pater, semper et ubíque grátias ágere per Fílium dilectiónis tuæ Iesum Christum, Verbum tuum per quod cuncta fecísti: quem misísti nobis Salvatórem et Redemptórem, incarnátum de Spíritu Sancto et ex Vírgine natum. Qui voluntátem tuam adímplens et pópulum tibi sanctum acquírens exténdit manus cum paterétur, ut mortem sólveret et resurrectiónem manifestáret. Et ídeo cum Angelis et ómnibus Sanctis glóriam tuam prædicámus, una voce dicéntes:

Sanctus, Sanctus, Sanctus…

Vere Sanctus es, Dómine, fons omnis sanctitátis. Hæc ergo dona, quǽsumus, Spíritus tui rore sanctífica, ut nobis Corpus et ✠ Sanguis fiant Dómini nostri Iesu Christi.

Qui cum Passióni voluntárie traderétur, accépit panem et grátias agens fregit, dedítque discípulis suis, dicens: ACCÍPITE ET MANDUCÁTE EX HOC OMNES: HOC EST ENIM CORPUS MEUM, QUOD PRO VOBIS TRADÉTUR. Símili modo, postquam cenátum est, accípiens et cálicem íterum tibi grátias agens dedit discípulis suis, dicens: ACCÍPITE ET BÍBITE EX EO OMNES: HIC EST ENIM CALIX SÁNGUINIS MEI NOVI ET ÆTÉRNI TESTAMÉNTI, QUI PRO VOBIS ET PRO MULTIS EFFUNDÉTUR IN REMISSIÓNEM PECCATÓRUM. HOC FÁCITE IN MEAM COMMEMORATIÓNEM.

Mystérium fídei.

Mémores ígitur mortis et resurrectiónis eius, tibi, Dómine, panem vitæ et cálicem salútis offérimus, grátias agéntes quia nos dignos habuísti astáre coram te et tibi ministráre. Et súpplices deprecámur ut Córporis et Sánguinis Christi partícipes a Spíritu Sancto congregémur in unum. Recordáre, Dómine, Ecclésiæ tuæ toto orbe diffúsæ, ut eam in caritáte perfícias una cum Papa nostro N. et Epíscopo nostro N. et univérso clero.

Meménto étiam fratrum nostrórum, qui in spe resurrectiónis dormiérunt, omniúmque in tua miseratióne defunctórum, et eos in lumen vultus tui admítte. Omnium nostrum, quǽsumus, miserére, ut cum beáta Dei Genetríce Vírgine María, beato Ioseph, eius Sponso, beátis Apóstolis et ómnibus Sanctis, qui tibi a sǽculo placuérunt, ætérnæ vitæ mereámur esse consórtes, et te laudémus et glorificémus per Fílium tuum Iesum Christum.

Per ipsum, et cum ipso, et in ipso, est tibi Deo Patri omnipoténti, in unitáte Spíritus Sancti, omnis honor et glória per ómnia sǽcula sæculórum.

Amen.

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Written by João Guilherme Pianezzola

“Pois nele vivemos, nos movemos e existimos” — Atos 17:28.

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